Matrix é uma obra-prima da ficção científica, criada pelas Irmãs Wachowski em 1999, e o filme parece mais profético do que nunca.
Keanu Reeves em Matrix
Estamos em 2024, onde o aprendizado de máquina e o capitalismo de vigilância estão cada vez mais se alimentando da matéria-prima formada por vidas humanas, pois esse sistema nos escraviza e diverte, exatamente como no filme. O termo Surveillance Capitalism (Capitalismo de Vigilância) foi criado pela socióloga Shoshana Zuboff, que conheci através de uma reportagem na Internet. Para Zuboff, a economia é cada vez mais construída por um esforço implacável das corporações, que pretendem digitalizar e monetizar nossas vidas pessoais.
Isso pode ser assustadoramente familiar, principalmente para quem é fã de Matrix. O filme apresenta a visão de um futuro distópico, onde o mundo natural é destruído pela ação humana e transformado num deserto pós-apocalíptico. Nesse mundo, as pessoas não reconhecem a verdade, pois seus sentidos são preenchidos, desde o nascimento. Tudo isso para criar uma tranquila vida artificial, QUE escraviza as pessoas e permitE que as máquinas se alimentem delas.
Matrix é reconhecido por redefinir totalmente a narrativa nos filmes de ficção científica e apresenta também muito material temático e inexplorado dentro deles. Porém, a crítica mais presente nos filmes condena fortemente o sistema capitalista.
Neo é um Super-Homem futurista
O primeiro filme da série, The Matrix, apresenta ao mundo o personagem Neo (Keanu Reeves), um hacker amador que rapidamente descobre a realidade monótona dos anos 1990. Ele descobre que sua vida é uma simulação poderosíssima, criada por uma raça consciente de máquinas. Essa máquinas utilizam a bioenergia coletiva da humanidade, para se alimentar e gerar mais energia. Além disso, ele também descobre que é o Escolhido, uma figura messiânica e profética que pode manipular o código interno da Matrix. Isso transforma o personagem numa espécie de Super-Homem Cyberpunk Futurista.
Todos os filmes Matrix foram sujeitos à inúmeros tipos de explorações temáticas, inspirando incontáveis livros e ensaios que discutem as influências e mensagens que existem dentro deles. Isso vai desde enxergarmos Neo como uma alegoria de Cristo, devido à sua natureza profética e o seu sacrifício em Matrix Revolutions, até os comentários sobre a experiência transgênero. Isso, lógico, por causa das diretoras do filme, as irmãs Wachowski.
Azul ou Vermelha?
O mais interessante é que todas essas interpretações são válidas e apoiadas pelo simbolismo embutido nos filmes, que continua em todos eles. Além disso, para quem não sabe, há outro detalhe bem sutil codificado no DNA dessa franquia, especificamente encontrado no primeiro Matrix. Esse detalhe mostra a reação dos personagens principais, quando descobrem a verdade sobre a realidade.
Matrix apresenta claramente uma crítica ao capitalismo, em estágio bem avançado e mostra suas falhas. Mas também, em uma última análise, a possibilidade de derrubada desse sistema pelas pessoas que existem dentro dele.
Em sua essência, a franquia Matrix é sobre a exploração dos trabalhadores, expressa por meio das máquinas que necessitam da energia humana. Embora a franquia principal nunca declare, explicitamente, o que levou ao futuro distópico presente nos três primeiros filmes, há muito material suplementar que preenche essa lacuna. Podemos enxergar o passado, observando a linha do tempo presente dos filmes.
No primeiro filme, após Neo tomar a pílula vermelha de Morpheus, uma simbologia bem simplista por sinal, ele acorda em um tanque flutuante suspenso no ar e rodeado por milhares de cápsulas semelhantes. Os telespectadores logo percebem que ali está toda a humanidade e que este é o destino de todos. Viver em uma simulação permanente, enquanto as máquinas utilizam sua bioenergia para produzir e viver tranquilamente.
Matrix faz uma crítica ao sistema capitalista
Realmente existe essa crítica geral da franquia ao sistema capitalista e podemos perceber isso claramente. Tanto os humanos quanto as máquinas, constroem os seus impérios com base na exploração. Ou seja, a humanidade cria uma espécie senciente inteira, simplesmente para usá-las como mão de obra escrava. No momento que essas máquinas se levantam, em defesa própria, a humanidade tenta em vão exterminá-las e acontece uma guerra entre as duas partes.
No futuro, centenas de anos após o fim da guerra, as máquinas retornam para explorar os humanos, em busca de uma sobrevivência prolongada. Uma das principais críticas ao sistema econômico capitalista, é que essas máquinas dependem da exploração da classe trabalhadora por aqueles que estão no topo. Certamente Matrix apresenta todo esse conflito, ampliando a ideia de que o filme faz uma crítica ao capitalismo.
Agente Smith
Pois como a simulação apresentada em Matrix, o capitalismo só funciona quando alimenta essa grande ilusão. Muitos críticos do capitalismo afirmam que a sociedade capitalista consegue enganar a classe trabalhadora, fazendo-a acreditar que o sistema está trabalhando à seu favor. Com isso o capitalismo consegue que esse mesmo trabalhador seja continuamente explorado. Já que essas pessoas exploradas continuam defendendo os princípios do sistema que as explora. Sempre na esperança de um dia alcançarem o mesmo status dos indivíduos que estão no topo. Isso cria a ilusão de que o sistema realmente funciona, mas desde que seja alimentado eternamente, sem nenhuma objeção do proletariado.
É exatamente isso que acontece no primeiro filme da franquia, quando Morpheus apresenta o seu monólogo. Enquanto ele explora a Matrix com Neo e o expõe aos meandros dessa simulação, Morpheus aponta pessoas que ainda não despertaram para o mundo real e não têm ideia do que realmente está acontecendo nos bastidores de suas vidas.
Morpheu diz: “A Matrix é um sistema, Neo. Esse sistema é o nosso inimigo. Mas, quando você está dentro e olha em volta, o que vê? Homens de negócios, professores, advogados, carpinteiros. As próprias mentes das pessoas que tentamos salvar.”
Matrix e a classe trabalhadora
Esta é uma referência clara aos tipos de empregos que formam a classe trabalhadora no mundo moderno. Embora aquele 1%, que está no topo, seja formado por bilionários, celebridades e CEOs, os que giram as engrenagens desse sistema são aqueles que realmente estão envolvidos no trabalho e no crescimento da sociedade. Essas são as pessoas que Neo e Morpheus devem salvar mas, infelizmente, elas ainda estão presas dentro dessa simulação, contribuindo ativamente para a sua existência.
Morpheus termina seu discurso dizendo a Neo: “você tem que entender, a maioria dessas pessoas não está pronta para ser desconectada. E muitas delas estão tão feridas, tão desesperadamente dependentes do sistema, que lutarão para protegê-lo.”
Ao apresentar as pessoas presas nessa simulação, Matrix mostra que enquanto elas não conseguirem encontrar um sistema melhor, continuarão presas às engrenagens do capitalismo e, lógico, permanecerão lutando para defendê-lo. Por isso Neo e a rebelião representam a solidariedade da classe trabalhadora, sendo que Neo é o Escolhido, um messias profetizado para salvar o mundo.
Trilogia Matrix
Ao longo de toda a franquia Matrix, Neo é auxiliado por um círculo pessoal próximo à Morpheus e Trinity, bem como as ações de outros sobreviventes de Zion. E mesmo em Matrix Revolutions, quando ele se sacrifica para derrotar o Agente Smith, para salvar a Matrix e também o mundo real, ele o faz com a ajuda das máquinas. As mesmas contra as quais eles passam os dois últimos filmes lutando, pois Neo e a rebelião trabalham juntos para libertar a humanidade dos grilhões da simulação. Algo que pode ser visto, alegoricamente, como a solidariedade que ainda existe em parte da classe trabalhadora, aquela que entende que o sistema capitalista tenta escravizar o trabalhador.
Neo tentando escapar da Matrix
Aqueles que enxergam a verdadeira Matrix, lutam para libertar a humanidade desse controle, da mesma forma que os oponentes do capitalismo acreditam que a classe trabalhadora pode se unir, para tentar derrubar o sistema. Além disso, tanto os cidadãos de Zion, quanto as máquinas que se reúnem para recriar a Matrix, após o sacrifício de Neo, representam o objetivo final: o reestabelecimento desse sistema falido.
Certamente Matrix pode ser interpretado de várias formas, mas o seu principal conflito é a luta de Neo e seus companheiros, contra o controle do sistema pelos poderosos. O filme termina com uma cena em que Neo diz: “não conheço o futuro, não vim aqui para dizer como isso vai acabar, vim aqui para contar como vai começar.” Ele conclui: “vou mostrar a essas pessoas um mundo sem regras e controles, sem fronteiras e limites, um mundo onde tudo é possível.”
No fim do filme, enquanto Neo voa para longe e os créditos rolam, a banda Rage Against the Machine entra com o grito “Wake Up!“
Matrix está disponível em 4K na Max